04 Mai 2023
"Os volumes desta obra permitiram [...] ao leitor o conhecimento necessário para avaliar a contribuição de Afonso [de Ligório] aos vários campos do saber teológico: teologia bíblica, teologia da história, teologia dogmática e, sobretudo, apologética. O leitor constatará que se trata de uma história integral da moral cristã", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Afonso de Liguori nasceu no dia 27 de setembro de 1696 e faleceu no dia 1º de agosto de 1787, com 91 anos. Proclamado Doutor da Igreja em 1871 e Padroeiro dos Confessores e Moralistas em 1950, Afonso é reconhecido pela Igreja Católica como o teólogo moralista que apresenta um caminho seguro entre os excessos de ambos os extremos: a via da benignidade pastoral frente ao rigorismo moral. A figura de Afonso, portanto, além de abranger cronologicamente todo o século XVIII, também é o ponto máximo do período moral casuísta, apresentando a solução para a disputa entre os probabilioristas (rigoristas) e probabilistas (laxistas).
A vida de Afonso foi extensa em tempo físico e densa em tempo biográfico e, assim, sendo oferecer um balanço, o mais completo possível, do significado histórico de Afonso de Liguori é a proposta da obra: Afonso de Ligório: o triunfo da benignidade frente ao rigorismo, de autoria de Marciano Vidal, missionário redentorista, nascido e San Pedro de Trones (Léon, Espanha), em 1937, é Catedrático de teologia Moral na Universidade Pontifícia Comillas (Madri) e professor extraordinário da Academia Afonsiana (Roma). Teólogo de fronteira, grande conhecedor da tradição teológica e sensível à cultura atual, é considerado um grande renovador do pensamento moral católico. Durante várias décadas, Marciano Vidal estudou textos históricos relacionando-os com a Teologia Moral, lendo-os, analisando-os e expondo seu significado e, agora apresenta o resultado de seu trabalho e o faz com uma visão sistemática de todo o campo da moral cristã - numa exposição unitária, tanto em metodologia, quanto em conteúdo.
A referida obra que faz parte da Coleção Introdução à Theologia moralis de Santo Afonso está estruturada em quatro volumes: 1) A paisagem e o personagem (Santuário; Scala, 2022, 616 p.); 2) A mensagem (Santuário; Scala, 2022, 488 p.); 3) A moral afonsiana (Santuário; Scala, 2023, 610 p.); 4) A espiritualidade afonsiana (Santuário; Scala, 2023, 528 p.).
"A paisagem e o personagem" descreve o Settecento napolitano em suas três vertentes: social, religiosa e cultural traz a apresentação de Afonso de Liguori em sua experiência familiar, formação e trajetória bibliográfica. Vidal observa que a fim de avaliar em seu devido alcance a moral afonsiana torna-se conveniente conhecer, tanto o personagem ou autor do pensamento moral submetido à análise e avaliação, quanto à paisagem ou contexto histórico em que o autor adquire real destaque. Na primeira parte, dividida em quatro seções, o autor observa que o contexto sócio–histórico da moral afonsiana não é outro que o Settecento napolitano. Com esta expressão refere-se à situação social, cultural e religiosa do Reino e da Cidade de Nápoles no século XVIII.
Esse é o contexto em que adquire relevo a figura de Afonso de Liguori e, mais concretamente, sua obra moral. Assim, a primeira seção: O reino de Nápoles: o devir histórico e a situação no século XVIII (p. 59-133) apresenta o Reino de Nápoles em sua anterior ao século XVIII e em sua situação concreta no Settecento, a segunda seção: a cidade de Nápoles na época de Afonso de Liguori (p. 137-196) realiza a mesma dupla aproximação precedente, mas agora em relação à cidade Partenopeia; a terceira seção: a Igreja na Nápoles do século XVIII aborda a situação eclesial (p. 199-263), tanto em referência concreta ao Settecento napolitano, quanto em perspectiva mais ampla; na quarta seção: a cultura no Settecento napolitano (p. 267-311) recolhe o horizonte cultural desse momento histórico napolitano. Ao conjunto temático dessa primeira parte, Vidal antepõe uma breve Introdução, sublinhando a importância e atualidade da consideração acerca do Settecento napolitano (p. 51-55).
A figura de Afonso é o objeto da segunda parte desta obra. No entanto, Vidal adverte que não convém separar as duas realidades: a paisagem existe em razão da figura e a figura só tem consistência real quando inserida na paisagem. Deste modo, o conteúdo desta segunda parte está organizado em dois momentos, correspondentes às três perspectivas, assinaladas no subtítulo, formando o conjunto de três seções: 1) a experiência familiar de Afonso, na qual Vidal salienta que a experiência familiar do moralista napolitano é chave de interpretação importante para seu significado histórico (p. 315-400); 2) a formação civil e eclesiástica de Afonso (p. 403-450); 3) a trajetória biográfica de Afonso – expressando as dimensões mais marcantes da trajetória da poliédrica vida de Liguori: Afonso: advogado (p. 455-469); Afonso: sacerdote (p. 469-478); Afonso: missionário (p. 478-494); Afonso: pregador (p. 494-505); Afonso: bispo (p. 505-521); Afonso: fundador (p. 521-550); Afonso escritor (p. 551-592). Vidal conclui esta segunda parte tecendo comentários sobre o estágio final da trajetória de vida de Afonso (p. 592-595), e, apresentando a lista cronológica dos escritos de Afonso (p. 595-613).
Volume um - A paisagem e o personagem (Foto: Divulgação)
O segundo volume – A mensagem – analisa a mensagem afonsiana situando-a “em confronto” com cinco grandes fatores sociais, culturais e religiosos de seu momento histórico. Vidal observa que a expressão “em confronto” não significa luta, nem oposição total, mas, claro que não se trata apenas de um diálogo ou simples contexto - indica o dinamismo interno onde é forjada a mensagem de Afonso, dinamismo que comporta diálogo, realizado na tensão, e que conduz ao enriquecimento mútuo mediante afirmação (assumir) e negação (oposição). Vidal nota que sobre o fenômeno humano cristão de Afonso incidem cinco fatores típicos do global dinamismo sócio-político-cultural-religioso do século XVIII europeu: a) o iluminismo ou movimento iluminista; b) o racionalismo filosófico iniciado no século XVII; c) o jurisdicionalismo, termo que caracteriza, em Nápoles, a nova forma de relação político com o poder religioso, concretamente, com o poder pontifício; d) o jansenismo em sua fase tardia tal como se manifestou na Europa do sul durante o século XVIII; e) o probabiliorismo ou rigorismo moral.
Analisando os grandes desafios da época de Afonso este volume ocupa-se com seis temáticas:
1) o iluminismo napolitano e o projeto ilustrado de Afonso: Vidal anota em primeiro lugar, o contexto geral em que se desenvolveu o fenômeno do Iluminismo italiano; em segundo lugar, faz uma breve introdução ao Iluminismo napolitano em seu conjunto; sobre o qual também acrescenta uma nota bibliográfica comum (p. 61-114);
2) o racionalismo filosófico e a apologia religiosa de Afonso (p. 117-186)
3) o jurisdicionalismo napolitano e Afonso de Liguori (p. 189-246);
4) o jansenismo tardio do século XVIII e a resposta de Afondo de Liguori (p. 249-361);
5) o reinado do probabiliorismo nos séculos XVII-XVIII (p. 365-399);
6) o contexto e a identidade da teologia afonsiana; a Bíblia no mundo teológico de Afonso; a área da teologia fundamental e controversística; a imagem de Deus na tradição afonsiana (p. 403-487).
Volume dois - A mensagem (Foto: Divulgação)
O terceiro volume analisa e expõe o pensamento moral de Afonso de Liguori. Vidal observa que o edifício construído por Afonso pode ser analisado e descrito de várias formas e com diferentes interesses. Neste volume especificamente, o autor pretende fazê-lo com a orientação preferentemente histórica, ou seja, procurando descobrir o significado da obra moral afonsiana no contexto da reflexão teológico-moral do século XVIII - mostrando como o trabalho teológico-moral de Afonso adquire seu autêntico significado histórico quando situado no conjunto da época em que nasce e com a qual mantém efetiva relação. Neste horizonte, o estudo da moral afonsiana está assim organizado:
1) A obra moral de Afonso: escritos e orientação fundamental: Vidal inicia o desenvolvimento pela descrição dos escritos morais de Afonso e assinalando a orientação fundamental de seu pensamento moral. Para isso, em primeiro lugar, toma nota dos escritos que Liguori dedicou o tema moral. Em segundo lugar, situa esse trabalho dentro das coordenadas da vida de Afonso e, por fim, na terceira aproximação se detém na orientação fundamental dessa obra, que não é outra, que a conversão do “rigorismo” à “benignidade” (p. 65-110);
2) Análise da obra principal de Afonso no campo da moral, sua Theologia Moralis, da qual Vidal busca traçar uma detalhada biografia, aludindo também aos condicionamentos socioambientais do pensamento moral afonsiano. Nesta seção, Vidal observa que na obra Theologia Moralis Afonso expôs, em quase sua totalidade, seu pensamento teológico-moral. Frente a isso, a biografia da Theologia Moralis se encontra descrita através da sequência de edições, mediante os condicionamentos que explicam seu peculiar desenvolvimento, pelas formas literárias empregadas e na edição crítica, realizada, no começo do século XX, por L. Gaudé. Em suma nestas páginas Vidal expõe a história literária da Theologia Moralis, analisando sua progressiva aparição editorial e seus condicionamentos sociobibliográficos (p. 113-186);
3) Fixando a consideração na obra principal Theologia Moralis, Vidal expõe como Afonso construiu seu edifício moral. Especificamente nesta seção Vidal estuda o modo utilizado por Afonso para levar adiante seu projeto teológico-moral. Para isso, Vidal observa que para analisar e descrever o projeto teológico-moral de Afonso, é imprescindível conhecer qual o modelo de moral com que trabalhou. O edifício da Theologia Moralis está concebido e executado em conformidade com a ideia de Afonso do que deveria ser o discurso teológico-moral - frente a isso, Vidal mostra como Afonso entendia o discurso teológico-moral. Em seguida, Vidal pergunta sobre o trabalho de documentação, já que os autores não constroem a partir do nada, mas utilizam elementos de construções precedentes. A peculiaridade da documentação de um determinado autor fica manifesta, em grande medida, no diálogo que mantém com outros autores do passado ou contemporâneos. Assim, segundo Vidal será possível compreender a forma adotada no edifício moral construído por Afonso (p. 189-246);
4) Em seguida, Vidal analisa o conteúdo da edificação moral de Afonso: tanto nos tratados de moral geral (p. 249-258); quanto nos tratados de moral concreta (p. 289-342);
5) Vidal observa que dentro do projeto moral de Afonso, duas realidades adquirem significado especial, uma de caráter teórico e outra de orientação pastoral. Mais especificamente: à questão do sistema moral (p. 345-380) e à prática pastoral da confissão (p. 383-432);
6) a história da recepção da moral afonsiana nos últimos séculos é também objeto da atenção de Vidal: tanto no que diz respeito à recepção por parte dos moralistas, quanto pelo que se refere ao Magistério eclesiástico. Neste capítulo Vidal analisa e expõe a trajetória geral e as vicissitudes mais relevantes da moral afonsina durante dois séculos e meio de sua recepção histórica. Vidal assinala, para algumas dessas diferentes interpretações, os diferentes tipos de leitura correspondente e, além disso, indica a existência, ou deficiência, de bibliografia pertinente e mais qualificada (p. 435-574).
7) na última seção deste volume Vidal oferece uma espécie de balanço da moral afonsiana: o lugar histórico e caracterização da moral afonsiana; a pastoralidade da moral afonsiana; inovações e espírito de liberdade em Afonso moralista; a tradição moral afonsiana (p. 577-609).
Volume três - A moral afonsiana (Foto: Divulgação)
No quarto volume A espiritualidade afonsiana, Vidal apresenta a espiritualidade afonsiana oferecendo as seguintes perspectivas:
1) enquadramento do pensamento espiritual afonsiano: para introduzir o tema da espiritualidade afonsiana e posteriormente sua conexão com o pensamento moral, Vidal situa o pensamento espiritual de Afonso em suas coordenadas essenciais, mais concretamente: a) fazendo alusão ao contexto histórico da espiritualidade afonsiana; b) destacando a integração da espiritualidade em todo o projeto de Afonso; c) assinalando as principais fontes literárias do pensamento espiritual afonsiano e recordando a dimensão literária dessa faceta de Afonso. Este capítulo encerra-se com uma bibliografia essencial sobre o tema em questão (p. 57- 111);
2) existência e características da espiritualidade afonsiana: neste capítulo Vidal destaca a dimensão mística da espiritualidade afonsiana, fazendo para isso duas abordagens: uma correspondente aos escritos e a outra à vida espiritual da Afonso (p. 115-153);
3) uma espiritualidade centrada na prática do amor: Vidal analisa o significado ético do amor no pensamento de Afonso e conclui com uma afirmação sobre a relação entre moral e espiritualidade na síntese afonsiana (p. 157-182).
Volume quatro - A espiritualidade Afonsiana (Foto: Divulgação)
Uma enciclopédia sobre Santo Afonso e a Teologia Moral... No campo da Teologia Moral Afonso de Liguori tem autoridade incontestável. No entanto, nem sempre o Doutor da Igreja e Padroeiro dos Confessores e Moralistas é correspondentemente conhecido. Daí a importância destes volumes. Estes volumes escritos por Marciano Vidal – maior conhecedor da obra moral de Santo Afonso na atualidade – oferecem ao leitor uma grande introdução ao pensamento moral e à figura de Santo Afonso permitindo conhecer o conteúdo de todas as obras de Afonso -, entrar em contato com a produção bibliográfica de temática afonsiana; contar com uma biografia completa da obra principal de Afonso: Theologia Moralis, analisada com o método original que Marciano Vidal denomina método sociobiográfico; encontrar uma análise minuciosa sobre o pensamento moral de Afonso e história detalhada de sua recepção, seja pelos teólogos moralistas, seja pelo magistério eclesiástico; uma ampla exposição sobre a espiritualidade afonsiana, a análise da experiência familiar de Afonso, a apresentação de sua formação, tanto civil, quanto eclesiástica, a descrição da trajetória biográfica do santo napolitano.
Os volumes desta obra permitiram, ainda, ao leitor o conhecimento necessário para avaliar a contribuição de Afonso aos vários campos do saber teológico: teologia bíblica, teologia da história, teologia dogmática e, sobretudo, apologética. O leitor constatará que se trata de uma história integral da moral cristã: os textos são combinados com a vida; a moral é relacionada com as demais disciplinas teológicas, sobretudo, com a espiritualidade e a pastoral; aos documentos propriamente teológicos são acrescentados outros, da literatura, da arte, da simbólica; o texto moral concreto é relacionado com a biografia do autor e os dois, texto e autor, com as coordenados de tempo e espaço.
Em suma, Marciano Vidal mostra como Afonso de Liguori oferece uma proposta de vida cristã que, respeitando as exigências da reflexão teológica, não se torna uma moral fria, uma moral de escrivaninha, uma moral casuística, mas, uma moral onde triunfa a benignidade.
VIDAL, Marciano. Afonso de Ligório. O triunfo da benignidade frente ao rigorismo. I: A paisagem e o personagem. Aparecida: Santuário; Goiânia: Scala, 2022, 614 p., 230 x 155mm – ISBN 978-65-86176-85-8.
VIDAL, Marciano. Afonso de Ligório. O triunfo da benignidade frente ao rigorismo. II: A mensagem. Aparecida: Santuário; Goiânia: Scala, 2022, 488 p., 230 x 155mm – ISBN 9786555271812.
VIDAL, Marciano. Afonso de Ligório. O triunfo da benignidade frente ao rigorismo. III: A moral afonsiana. Aparecida: Santuário; Goiânia: Scala, 2023, 610 p., 230 x 155mm – ISBN 9786586176872.
VIDAL, Marciano. Afonso de Ligório. O triunfo da benignidade frente ao rigorismo. IV: A espiritualidade afonsiana. Aparecida: Santuário; Goiânia: Scala, 2023, 528 p., 230 x 155mm – ISBN 9786586176872.
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Afonso de Ligório: o triunfo da benignidade frente ao rigorismo. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU